Pesquisa JOTA: 34% dos brasileiros aceitam fechar o Congresso e 32%, o STF
Medidas são defendidas, especialmente, por apoiadores do governo Bolsonaro
Cerca de um terço da população brasileira aceita, em certas circunstâncias, o fechamento de instituições como o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal (STF). É o que mostra pesquisa do JOTA e do Ibpad (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados).
Enquanto 34,9% disseram concordar com a frase “Em algumas situações, o governo deve fechar o Congresso”, 32,9% afirmaram concordar com a frase “Em algumas situações, o governo deve fechar o Supremo Tribunal Federal”. No primeiro caso, 50,9% disseram discordar e, no segundo, 54,2%.
Uma outra pergunta também mediu sentimento similar: 42% disseram concordar com a frase “Em nenhuma situação é aceitável fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal”, mas outros 40,9% disseram discordar dela.
O sentimento difuso de adesão à democracia na população também foi medido pela clássica pergunta: “A democracia pode ter problemas, mas é o melhor sistema de governo”. Neste caso, 79,3% disseram concordar e 14%, discordar. Do mesmo modo, em uma outra pergunta, 23% disseram que “em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser melhor” e 55,3% afirmaram que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”.
Bolsonaristas
Os maiores índices de descrença com a democracia brasileira aparecem entre as pessoas que dão maior apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Entre aqueles que avaliam como bom o desempenho do presidente, há um empate técnico entre os que concordam ou discordam em fechar o Supremo: 42,7% concordam e 47,8% discordam. Já entre os que consideram ótimo, a maioria concorda que é possível fechar o Supremo: 54,9% concordam e 35,7% discordam. Por outro lado, entre os que acham o governo Bolsonaro ruim 60% discordam e 22,1% concordam; entre os que acham péssimo 61,9% discordam e 25,1% concordam.
Um padrão semelhante é encontrado entre as pessoas que concordam ou discordam em fechar o Congresso em algumas situações. Entre aqueles que avaliam como bom o desempenho do presidente Jair Bolsonaro, 42,9% concordam e 45% discordam, estão empatados tecnicamente. Mas entre os que consideram o desempenho do presidente ótimo, 53,1% concordam e 36,5% discordam em fechar o Congresso. Por outro lado, entre os que consideram o desempenho do presidente ruim, 55% discordam e 26,2% concordam; entre os que avaliam péssimo 58% discordam contra 28,4% que concordam.
Um movimento similar é percebido na pergunta: “Em nenhuma situação é aceitável fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal”. Enquanto os apoiadores do governo discordam mais dessa frase, os críticos concordam. Entre aqueles que avaliam Bolsonaro como ótimo, 36,6% concordam e 53% discordam; entre os que consideram o governo bom, 37,1% concordam e 48,6% discordam. Já entre os que acham o governo ruim, 46,7% concordam e 28,9% discordam; entre os que avaliam o governo como péssimo, 45,2% concordam e 36,4% discordam.
Os brasileiros com nível superior são os que menos apoiam uma visão “linha dura” da democracia: 60,6% discordam e 36,8% concordam com a possibilidade do governo fechar o STF. Entre as pessoas com ensino médio, 53,4% discordam e 34,5% concordam dessa possibilidade (outros 12% não opinaram sobre). Já entre os brasileiros com ensino fundamental 48% discordam e 25,1% concordam, outros 26,9% não se posicionaram sobre esse tema.
Os homens também tendem a aceitar mais facilmente o fechamento do STF do que as mulheres: 39% concordam e 52% discordam com essa possibilidade, contra 27,1% que concordam e 56,3% que discordam entre as mulheres.
A pesquisa foi feita com 1.045 pessoas, por telefone, entre os dias 26 e 29 de junho e conta com respondentes em 492 municípios, nos 26 Estados e no Distrito Federal. As respostas de 31 respondentes foram excluídas da análise porque não possuíam todas as informações necessárias para o modelo de pós-estratificação, restando, 1.014 respondentes. O intervalo de credibilidade dos valores estimados é de 3,3%.
A seleção da amostra foi aleatória e após a coleta o time de dados do JOTA Labs aplicou um modelo de pós-estratificação usando variáveis como gênero, idade e escolaridade. Esse trabalho estatístico é importante para garantir o balanceamento da amostra e segue técnicas propostas por professores como Andrew Gelman.
Repercussão no STF
Ministros do Supremo classificaram o resultado da pesquisa de “preocupante” e afirmaram que o fechamento de instituições fere a democracia. Para integrantes da Corte, essa percepção de que o Supremo e o Congresso são dispensáveis é reflexo de uma avaliação de que a corrupção é generalizada e também ganha fôlego em movimentações de Bolsonaro e seu grupo político.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, há um quadro de indignação com a corrupção na política e parte da “população que quer sangue” defende uma solução extremada e antidemocrática.
“É muito preocupante. A democracia pressupõe o respeito às instituições. É muito triste quando generalizam a crítica. Nos preocupa, não pelo cargo, estou há 29 anos no ofício judicante, mas pela instituição, uma vez que o Supremo é a última trincheira para o cidadão e quem dá a última palavra”, disse. “O Supremo tem que continuar fazendo sempre seu trabalho, buscando a prevalência da lei das leis que é a Constituição”, afirmou.
Um ministro que falou reservadamente ao JOTA afirmou que esse dado é “chocante”, insere-se num cenário da onda populista que atinge o país, em que o presidente da República tenta descolar o povo das instituições representativas.
Para o integrante do Supremo, é preciso rememorar a ditadura para evitar “posições extremadas” e que contrariam a democracia. “Está em estudos que a nossa memória da ditadura é longínqua. Nós não rememoramos esses tempos tão sombrios e precisamos lembrar isso. Vai ser bom para que as pessoas reflitam sobre posições extremadas como essas”.
O ministro afirmou ainda que a volta ao passado é importante para mostrar que a corrupção não é restrita aos governos civis, sendo que nas gestões de militares também se tinha informações e atos criminosos.
Outro ministro, que também pediu para falar reservadamente, disse que o Supremo “é essencial ao Estado Democrático de Direito e que não há democracia sem Judiciário”.
Para Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV e coordenador do projeto Supremo em Pauta, os resultados indicam “falta de conhecimento” sobre o que faz o STF. “Temos um contexto no qual a noção de direitos é irrelevante e até mal vista, o papel das instituições é pouco conhecido. Não existe a percepção de que é saudável para a comunidade política que ninguém tenha poderes totais. Ninguém está falando de um ministro específico, é com a instituição, não se vê valor do processo democrático”, opina.
De acordo com Glezer, entretanto, muitos atores do Congresso e do STF reforçam o personalismo e contribuem para a descrença nas instituições. “Muitas vezes, os ministros agiram com base muito mais em suas agendas pessoais, do que com base numa premissa do que seria uma postura institucional. Um sintoma é esse fenômeno da atuação individualista e monocrática do Supremo. Se o ministro gosta do auxílio-moradia para juiz, ele dá uma liminar e segura isso por cinco anos. Essa percepção de que o Judiciário atua de forma bastante politizada, e um Congresso que parece não estar barganhando em termos de pautas e sim em termos pessoais, gerou para a população a sensação de que eles não contribuem”.
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